"A chamada "Casa de Eça" na Granja - a estância de veraneio com mais "pedigree" neste Norte de vento agreste e mar forte - foi abaixo. Não que o vento a tenha levado ou que o mar a tenha engolido. Não. Ao que se sabe, foi "obra" da incúria, da incultura, da boçalidade e da irresponsabilidade. Também pode ter sido vítima da chamada burocracia, mas convenhamos que a coitada tem costas largas e, para além do mais, ainda não consta que a "senhora" actue sozinha e sem cúmplices e estes, pelo menos, têm figura humana. Se são gente, isso já é outra coisa!Dito isto, não importa muito se a ligação, ainda que indirecta, ao escritor, fazia da casa património indestrutível. De facto, a "Vila Jane" (assim se chamava a casa agora reduzida a escombros), tinha esse nome em homenagem a Jane, mulher de João Henrique Andersen, seu proprietário que, em 1925, a vendeu a um filho de Eça. Era uma casa igual a tantas outras da mesma época e de que a Granja (ainda) é um repositório muito significativo. Era uma casa bem traçada, bem proporcionada, bem inserida num conjunto de grande qualidade urbanística, arquitectónica e ambiental e, certamente, muito cuidada e confortável, mas não consta que aquela passagem de mão lhe tenha acrescentado qualquer valor patrimonial, para além da memória que os lugares adquirem quando outros símbolos lhes dão outras ressonâncias. E os lugares vivem muito dos sentidos que adquirem por via, nem que seja, de apenas tradições assentes em efabulações mais ou menos bem construídas. Por isso, tantos lugares reivindicam ter sido o lugar de nascimento, de morte ou de simples estadia ou passagem de personagens que a história guarda em lugar de destaque, mesmo que o não tenham sido ou mesmo que muitos outros façam igual reivindicação.Será, este, eventualmente, o contexto em que se insere a "Vila Jane" ou a "Casa de Eça" que, em qualquer caso, hoje, já não é mais do que uma longínqua e triste memória! Morreu. Como morreu "Jane" e como Morreu "Eça".
Jamais existirá ali outra coisa que não seja a notícia de que ali houve, um dia, uma casa que "foi abaixo". Estará lá, um dia, um lindo condomínio, fechado e tudo e, até, talvez, chamado "Vila Eça", (por que não?) para glória de algumas bolsas mais afoitas que, no momento certo, não estiveram com meias medidas nem quiseram sujeitar-se à farsa da "audiência prévia"e foram-se à coisa e pouparam um ror de trabalho.
Breve morrerá também nos jornais a incrível história duma câmara que, num papel, escreve que a casa deve ser classificada "em regime de protecção integral", noutro, que "o edifício deve ser demolido", noutro, que (só) tem "intenção de demolição" (mas que, pelos vistos, não seria para valer!), noutro que (ao demolir), "o proprietário ultrapassou claramente a lei" (!?) e noutro, ainda, que "qualquer construção no terreno de 'Vila Jane' terá de respeitar a traça, a volumetria e os materiais da vivenda original"! Bonito serviço!
A história é rocambolesca, mas não será muito diferente da que vitimou, ainda recentemente, obras de Januário Godinho e de Agostinho Ricca, no Porto. Em todos os casos, ninguém sabia de nada, ninguém tinha dado por ela, ninguém estava para, ao menos, mandar parar as máquinas e obstar ao desaparecimento de exemplares raros de qualidade arquitectónica.
Em todos os casos, os processos andavam pelo seu próprio pé, de secção para secção, de burocrata para burocrata e de técnico para técnico que, pelos vistos, nem sabiam o que a própria Câmara ia escrevendo nem faziam a mínima ideia sobre a que astavam a dar parecer e a decidir! Como sempre, depois dum leve gemido do condenado ou de quem por ele se deu até ao último segundo, um sepulcral silêncio envolverá a selvajaria e, uns tempos depois, a música dos cifrões e a letra de quem nunca aprendeu a ler, vai aparecer, em reluzentes anúncios de jornal, a notícia de que ali nasceu um novo oásis de felicidade! Senhores o sucedido é sintomático, mas o mundo cá fora não é de papel!
Tem corpo e tem alma! Chega de embuste. "
artigo do Arquitecto Manuel Correia Fernandes hoje no JN
http://jn.sapo.pt/2007/08/10/porto/ora_eca_eca_nao.html
Os sublinhados são meus, com as devidas desculpas ao próprio.
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