“Miosótis” foi a palavra que a escritora cubana Zoe Valdés, exilada em Paris, aprendeu aos 17 anos lendo Eça de Queiroz. Valdés admira a obra literária do autor, bem como o trabalho de diplomata em Cuba, por defender os direitos da comunidade sino-cubana.
“Eça de Queiroz é um romancista português que sempre me encantou e de quem se fala muito pouco. Com ele, conheci uma palavra muito bonita que é a flor ‘miosótis’ - dava-me vontade de rir cada vez que a lia num texto dele”, disse a autora à Lusa, aquando da sua passagem por Lisboa, para integrar o júri do festival de cinema digital Lisbon Village Festival, realizado entre 18 e 24 de Junho.No último livro que publicou, «La Eternidad del Instante» (2004), a escritora relata, a propósito da história do seu avô materno - um cidadão chinês que abandonou o seu país em direcção ao México e depois foi para Cuba -, como Eça, cônsul de Portugal em Havana entre 1872 e 1874, defendeu os imigrantes chineses. “Aí conto a história célebre no mundo sino-cubano da defesa que Eça de Queiroz fez daquelas pessoas que chegaram como escravas e que não foram legalizadas - nem se sabia a quantidade de chineses que havia em Cuba”, referiu Zoe Valdés.“Eça de Queiroz - sublinhou - iniciou uma espécie de movimento legal a favor dos chineses e conseguiu muitas coisas positivas para eles”. Exilada em Paris desde 1995, a escritora, de 48 anos, admite que o facto de ter nascido em Cuba e vivido numa ditadura a influenciou negativamente e se reflecte na sua obra. “Não creio que seja possível ultrapassar isso, é uma marca para toda a vida. Até ao final, terei de viver com o facto de ter tido de ir-me embora do meu país, por causa da falta de liberdade e de não poder pensar como quero no meu país”, frisou. Viver em democracia ensinou-lhe que “uma pessoa, de alguma forma, tem um espaço de liberdade, ilusões de liberdade e pode fazer a sua liberdade”. Abandonar Cuba “não foi fácil”, segundo a autora, que reconhece que teve “períodos de muita nostalgia, de muita melancolia”, mas que, ao mesmo tempo, não quis “viver num impasse”. “Decidi romper com tudo, estudar, ler, aprender, viajar - viver a outra realidade que me coube viver e que, como escritora, me enriqueceu muito. O exílio, a mim, não me bloqueou. Penso que, ao contrário, me deu um impulso, um balanço vital diferente”, sustentou. Como referências, Zoe Valdés aponta a mãe, a avó - assume-se, aliás, como uma escritora cuja obra tem como tema central as mulheres (“a solidão da mulher, a velhice, a fealdade do seu corpo, as dores, a angústia...”) - e a cantora cubana Celia Cruz. “Na vida - disse -, influenciou-me Celia Cruz com as suas canções e o seu exemplo: foi uma mulher que viveu no exílio, que teve uma força enorme para fazer a sua arte, que perdeu a sua mãe - estando ela em Cuba, não pôde vê-la mais - e conseguiu sobreviver a isso”. Sobre o papel que a sua infância teve na sua forma de escrever e de ver o mundo, citou Baudelaire, “que dizia que a pátria é a infância”. “Penso que, nesse sentido, a infância é justamente, para mim - hoje em dia, que sou uma exilada - a minha pátria”, admitiu. A formação que teve na infância foi, como para qualquer pessoa, fundamental, porque “foi muito diferente, não foi uma infância tranquila”. “Tive muitos problemas, sofri muito mas, ao mesmo tempo, tinha momentos de felicidade incrível, momentos de grande ternura e de grande amor, mas também de grande tristeza e melancolia”, recordou. O seu refúgio “era sempre a leitura” e também o cinema, porque não tinha televisão: “Em minha casa éramos bastante pobres, não tínhamos muitas coisas”.A sua relação com o cinema nasceu nessa altura, quando a sua família foi instalada num albergue, em frente do qual havia um cinema, porque a casa onde vivia estava em perigo de derrocada, tendo acabado mesmo por ruir. “No albergue, não havia água e a minha avó pediu autorização para lavar as crianças no cinema todos os dias, quando saíamos da escola, e depois víamos os filmes”, relatou. “Passaram-se dois anos em que vivi entre a escola, o albergue e o cinema - prosseguiu -, que era o momento mais mágico da minha vida. Esses dois anos foram muito importantes na minha infância, foi entre os nove e os dez anos”. Mais tarde, trabalhou no cinema, primeiro como argumentista, em seguida como acompanhante de personalidades no Festival de Cinema de Havana e, finalmente, como subdirectora da revista Cine Cubano, entre 1990 e 1995, ano em que abandonou o país. Antes de se exilar em Paris, Zoe Valdés trabalhou, entre 1984 e 1988, na delegação de Cuba junto da UNESCO, em Paris, e no Gabinete Cultural da Missão de Cuba na mesma cidade, tendo feito crítica de cinema desde muito jovem, “com vinte e poucos anos, para jornais, sobretudo em França”. “Escrevia sobre filmes que eram inspirados ou baseados em obras literárias ou filmes que tinham um fundo literário muito grande. Uma cinematografia muito próxima da literatura - essa era a minha especialidade”, indicou.“Sou uma escritora que saiu da poesia”, define-se Zoe Valdés, acrescentando que começou muito cedo, aos 17 anos, com um livro de poesia que se chamava «Respuestas para Vivir (Respostas para Viver)» - “um título muito pretensioso, porque aos 17 anos o que se faz é perguntas para viver”, gracejou. E mesmo hoje, aos 48 anos, - constatou - “continuam a ser perguntas para viver, ainda”.
*Agência Lusa
e em O Primeiro de Janeiro
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