domingo, 6 de junho de 2010

Correspondência 1959-1978 Sophia de Mello Breyner/Jorge de Sena




Correspondência 1959-1978 Sophia de Mello Breyner/Jorge de Sena

Guerra e Paz

2010

notas prévias de Mécia de Sena e Maria Andresen Sousa Tavares

3ª edição, com nove cartas inéditas

190 págs.

€16,50

Epistolografia

As cartas entre Sophia e Jorge de Sena.

Por norma, ler diários e correspondências é um pouco como espreitar pelo buraco da fechadura. Mas este é um caso excepcional - abrem-se portas para duas mentes brilhantes, geniais mesmo fora das respectivas obras. Este livro já esgotou duas edições em 2006. Regressa agora com mais nove textos que o enriquecem, e nos enriquecem. Independentemente do contexto e dos enquadramentos sociais, dos problemas políticos e financeiros, esta troca de cartas revela um relacionamento de primus inter pares. Sena e Sophia lêem-se um ao outro, criticam-se, ajudam-se mutuamente a crescer enquanto poetas. Diz-lhe ela: "'O Reino da Estupidez', de tão magnífico título, apesar de todas as páginas óptimas que tem, parece-me demasiado cheio de questões que afinal talvez não mereçam ser postas na sua obra. Valerá a pena você gastar tanta inteligência para explicar aos parvos que são parvos?" Reconhece ele, na carta seguinte sobre as narrativas breves que lhe enviou: "Também eu acho - com a ressalva de 'A Janela da Esquina', de que V. não gosta muito, e de 'Os Amantes' de que V. não gosta nada - que a 'Noite que Fora de Natal' é, dos contos que a Sophia conhece, o meu melhor." O Jorge de Sena orgulhoso e agressivo surge aqui humanizado, brando, a receber grato e respeitoso os comentários de Sophia. Ela, sempre discreta e distante, revela uma força e uma perspicácia inusitadas. Diz-lhe sobre o poema dedicado à Vila Adriana: "Creio que a beleza destes teus versos é serem uma construção de contradições, tão complicada e tensa que é milagre que se equilibre, mas que no entanto toma e retoma o seu fio, e, percorrendo todos os seus labirintos, regressa sempre ao interior de não sei que gruta povoada de ressonâncias. ... Como alguém que reconhece a ruína e constrói à sua roda o palácio." Discordam relativamente ao que é a poesia e a sua função, o que é a Grécia, como se fazem traduções. E, após a leitura destes confrontos de amigos, torna-se mais clara a prática, e a grandeza de cada um. É um privilégio podermos tê-los tido como interlocutores, pena seja que por tão pouco tempo, tão poucas cartas. Um livro extraordinário, a não perder. Helena Barbas

Jornalismo em Liberdade

João Figueira

Almedina

2010

260 págs.

€20

Ensaios

Seis entrevistas imprescindíveis.

A ideia é registar o percurso de seis profissionais que não só marcaram mas mudaram o jornalismo em Portugal depois de 1974. Uma escolha difícil e sempre passível de críticas: porquê seis e não cinco ou sete? E porquê este e não aquele ou mesmo aqueloutro? É certo que há nomes "imprescindíveis" - como escreve o autor, citando Brecht -, goste-se ou não, concorde-se ou não com os seus modelos e práticas profissionais. Outros haveria, provavelmente com direito a integrar a mesma categoria: Francisco Balsemão certamente, Vítor Direito com certeza, mesmo José Eduardo Moniz. A selecção de João Figueira, porém, é globalmente acertada e consensual. Francisco Sena Santos, com efeito, é nome obrigatório entre os homens do microfone. Como Vicente Jorge Silva o é na imprensa e Henrique Cayatte no design de jornais. Os outros três nomes estão todos eles ligados à televisão, ainda que com passagem por outros meios: Joaquim Letria (o mais multifacetado e maleável), Emídio Rangel e Maria Elisa. Não por acaso, estes três testemunhos são bastante mais autocentrados. Trabalho também académico, as entrevistas têm a mesma estrutura e respeitam a regra do bom senso ditada por Elisa, a de "respeitar o ritmo do pensamento" do entrevistado. Algumas ganhariam em ter sido melhor editadas, já que prevalece a oralidade - talvez porque, antes de saírem em suporte de livro, foram transmitidas na rádio pública. Sena Santos é quem produz uma reflexão mais autocrítica sobre a sua actividade profissional: "Ao voltar atrás, vejo tantas asneiras." Uma delas, tão comum (e tão preocupante), é o não saber "dosear a subjectividade". Infelizmente, há histórias que ficaram por contar - e a responsabilidade não cabe ao autor. Pelo menos Cayatte e Elisa furtam-se a entrar em pormenores sobre episódios de manifesto interesse jornalístico. Aliás, Maria Elisa, Joaquim Letria e Vicente Jorge Silva tiveram passagens pela política activa e é pena que quase as coloquem entre parêntesis. Nem todos pensam da mesma maneira, felizmente. Os percursos profissionais e empresariais de alguns deles chocaram-se, por vezes com fragor. As perspectivas quanto ao futuro não são coincidentes. Se Letria sentencia que "o jornalismo está no fim", outros sentem de modo bem diferente. A começar por Vicente, que continua a sonhar com uma revista que aposte na reportagem, que "é aquilo que faz mais falta"; e a terminar em Rangel, que sustenta, não sem exagero, que "os portugueses adoram informação".
José Pedro Castanheira

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